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quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Crítica: Virgem Margarida (2012)

*6.5/10*
 

Licínio Azevedo, habituado ao género documental, estreia-se nas longas-metragens de ficção com Virgem Margarida. A temática já foi abordada pelo realizador no documentário A Última Prostituta, e agora, a partir de alguns testemunhos que recolheu na altura, resolveu ficcionar a realidade, debruçando-se sobre uma mulher que nunca conheceu, mas de quem muito ouviu falar.

O realizador brasileiro, radicado em Moçambique desde 1975, traz até nós uma história baseada em pessoas e acontecimentos reais. A acção de Virgem Margarida passa-se em 1975, após 500 anos de colonização portuguesa. Moçambique parece estar a renascer e o novo regime quer limpar as ruas dos maus hábitos e prostituição. Assim, as prostitutas são enviadas para campos de reeducação para que se tornem úteis à nova sociedade que está a ser construída de base. Margarida é uma jovem camponesa de 16 anos, enviada para um dos campos por engano.

Não estamos perante nenhum prodígio de realização ou interpretações - todas elas amadora, mas competentes -, é verdade, mas certo é que a produção cinematográfica moçambicana é muito reduzida e, quando chega até nós um filme como este, há outros aspectos a ter em conta. Aqui, verdadeiramente interessante é a História do país e das suas mulheres. Neste caso, uma história cheia de paradoxos, injustiças e brutalidade. Virgem Margarida mostra como predominava uma ideia de que as mulheres - "estragadas" pela colonização - deviam agora ser reeducadas para, desta vez, agradar aos futuros maridos. De uma forma ou de outra, a Mulher surge como serva dos homens - vejamos que mesmo as militares obedecem a ordens de superiores masculinos -, e só no decorrer do filme ela se começa a emancipar.


Nos campos de reeducação assistimos a uma mistura de culturas, mulheres de todos os cantos do mesmo país, aos perigos da selva, a que poucas estão habituadas, às crenças no misticismo, na bruxaria, aos trabalhos forçados para mulheres pouco acostumadas ao trabalho no campo, aos castigos - alguns arrepiantes - a que se sujeitavam as mais rebeldes, ou à autoridade das militares que cumprem ordens ao acreditar na causa que defendem, mas elas mesmas se questionam sobre o seu regresso a casa.

De entre as muitas mulheres ali "aprisionadas", destacam-se cinco: Margarida, Rosa, Luísa, Suzana e a Comandante Maria João. Margarida é a inocente jovem virgem, levada por engano, apenas por não ter consigo os documentos no dia em que foi à cidade comprar o enxoval para o casamento. Contrariando a inexperiência relativamente a homens, a jovem é - no entanto - a mais desembaraçada nos trabalhos do campo, deixando as restantes mulheres admiradas com a sua coragem e sabedoria - é ela que evita que outras comam bagas venenosas, por exemplo. Por seu lado, Rosa assume desde cedo um papel bem destacado em Virgem Margarida. É ela a prostituta respondona e senhora do seu nariz. É ela quem mais luta contra a injustiça em que foram obrigadas a viver e desafia, por diversas vezes, a autoridade, sofrendo as consequências dessa atitude. Luísa é, desde cedo, a mais próxima de Margarida. Uma jovem vaidosa e namoradeira, que vive com a mãe inválida e que também se viu encerrada naquele campo de reeducação. Suzana é uma dançarina, mãe de dois filhos que abandona contra a sua vontade e que são a sua eterna preocupação. Do outro lado, a representar a disciplina e o exemplo a seguir está Maria João, a Comandante que cumpre ordens e acredita estar do lado certo.


Virgem Margarida tem bons momentos, e, apesar de muitas vezes a história pedir mais do que o guião nos dá, é impossível perder o interesse na dura realidade destas mulheres, marcada pela morte, dor e desilusão. O final é subtil e diz-nos mais do que aparenta.

A emancipação feminina moçambicana foi alcançada após muito sofrimento. Virgem Margarida pretende ser um retrato fiel dessa época, e, tendo em conta os recursos que Licínio Azevedo tinha disponíveis, o resultado é competente.

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