sexta-feira, 4 de março de 2016

Crítica: Cavaleiro de Copas / Knight of Cups (2015)

"Begin"
Rick
 
*6.5/10*

Não é mesmo nada fácil lidar com o mais recente filme de Terrence Malick, Cavaleiro de Copas. Se, para muitos, A Essência do Amor já não reflectia o talento do cineasta, o novo filme segue a mesma linha, mas exalta a rebeldia do realizador ao máximo. É um projecto atordoante e fragmentado - mostra-nos fragmentos de vida(s). Filosófico, convida à introspecção e à abstracção.

Não há significados certos ou errados. Com Malick isso cada vez é menos possível. Encontramos a Natureza em abundância, a família e a espiritualidade, temas que são característicos do autor. O romance, o passado, as possibilidades de futuro... mas, afinal, onde começa a ilusão e termina a realidade?

Cavaleiro de Copas começa com uma história. Era uma vez um jovem príncipe cujo pai, o rei do Este, o enviou para o Egipto a fim de encontrar uma pérola. Mas quando o príncipe chegou, o povo serviu-lhe uma taça e, ao bebê-la, esqueceu-se que era filho do rei, esqueceu-se da pérola e caiu num sono profundo. O pai de Rick, o nosso protagonista, costumava ler-lhe esta história quando era pequeno. Rick (Christian Bale) é agora um argumentista que vive em Santa Monica. Anseia por algo diferente, sem saber muito bem o quê ou como encontrá-lo. A morte do seu irmão, Billy, paira sobre ele, o seu pai, Joseph (Brian Dennehy), que se sente culpado, e o seu outro irmão, Barry (Wes Bentley). Entre a vida familiar e profissional, Rick procura distracção na companhia de seis mulheres muito diferentes, mas elas e todos os que se cruzam no seu caminho parecem saber mais sobre si do que ele próprio.


O argumento é tão desafiante como o filme no seu todo. Através da câmara de Malick seguimos o protagonista por várias cartas do tarot - ele mesmo já é uma delas - que dão nome aos entretítulos que surgem ao longo da longa-metragem. Intencional ou não, certo é que Rick vai a uma cartomante pouco depois do início de Cavaleiro de Copas, o que coloca a dúvida se todas as situações que nos são apresentadas serão reais ou puras possibilidades de futuro.

Rick encontra-se rodeado de relações fugazes, um casamento desfeito, uma mulher casada, festas loucas, discussões, clubes de strip tease, desertos, praias... Uma amalgama de sentimentos, sensações e pessoas, todas tão diferentes mas todas intimamente ligadas a ele. Será Rick a personificação da história que o pai lhe contava?


Como habitual, as personagens são também os narradores do filme e Malick faz-nos deambular  ao lado do protagonista com os olhos da sua câmara irrequieta e flutuante. E, em muitos momentos, também Rick paira como um espectro no meio da acção. observa, explora, quase como se mais ninguém o visse, apenas nós. Será a imaginação a trabalhar? Pelo menos a de Malick parece não parar.

Abundam os edifícios altos, janelas, corredores, terraços e elevadores, quase como sonhos repetidos. Por outro lado, o realizador não dispensa as paisagens fabulosas que nos colocam no meio da Natureza e os planos deslumbrantes que o director de fotografia Emmanuel Lubezki tão bem sabe captar.

No elenco, Christian Bale é quem nos abre a porta para a sua vida, talvez a personificação do Cavaleiro de Copas do título. Das mulheres que se cruzam no seu caminho e podem, ou não, fazer parte do seu presente, realço a importância de Cate Blanchett - sempre extraordinária nos seus desempenhos, por mais curtos que sejam -, Imogen Poots e Natalie Portman. Ainda de destacar é a forte presença de Wes Bentley como o desequilibrado irmão, Barry.


Cavaleiro de Copas é Terrence Malick a arriscar cada vez mais, a experimentar sempre sem receios. Espiritual, o filme pode ser o resultado da leitura de cartas de uma taróloga, a vida atribulada de um argumentista em Los Angeles ou o que cada um de nós quiser. Malick aposta, cada vez mais, nos sentidos e na introspecção, mas não é fácil alguém se deixar levar numa aventura tão arriscada sem fazer julgamentos.

1 comentário:

Unknown disse...

Uma crítica maravilhosa esclareceu muita coisa.