sábado, 10 de fevereiro de 2018

Crítica: A Forma da Água / The Shape of Water (2017)

"I'm not competitive, I don't want an intricate, beautiful thing destroyed!" 
Hoffstetler

*8/10*

Del Toro não tinha repetido, nem de perto, a magia de O Labirinto do Fauno, até realizar A Forma da Água. Este último ainda está longe da fórmula milagrosa de fazer cinema que o filme de 2006 trouxe. No entanto, recupera a aura de magia trágica e apresenta-nos um casal de protagonistas muito particular.

A fantasia desta história de encantar começa logo no primeiro plano, com narrador a acompanhar. Não faltam o monstro nem a guerra - as mais evidentes características partilhadas com O Labirinto do Fauno.


Em 1963, no auge da Guerra Fria, Elisa (Sally Hawkins), uma solitária empregada de limpeza muda, que trabalha num laboratório governamental, vê a sua vida mudar para sempre quando, com a colega Zelda (Octavia Spencer), descobre o resultado de uma experiência ultrasecreta: um estranho ser aquático que vive num tanque.

Em A Forma da Água, o verdadeiro monstro é humano. O outro, que vive na pureza da água, pode ser tantas coisas, ter tantos significados, mas não é ele o vilão. Elisa e o ser aquático com que desenvolve uma relação são uma espécie de A Bela e o Monstro, mas, mais do que isso, são dois seres com muitas mais parecenças do que possamos pensar à partida. A água é o local onde se sentem mais à vontade, de onde ambos provêm, a origem exacta de cada um é desconhecida, e nenhum dos dois é capaz de falar, mas entendem-se perfeitamente. Ela estimula-o, acalma-o, ele fá-la feliz. O laço que criam e desenvolvem ao longo do filme é mágico, com sentimentos e emoções a flutuar sem serem precisas palavras, apenas gestos.


A direcção artística e a fotografia fazem um trabalho soberbo. Não só nos transportam para uma época de sombras e desconfiança, como criam toda a atmosfera visual e surreal que faz acreditar que tudo isto poderia mesmo ter acontecido. O facto de Elisa e o vizinho Giles viverem por cima de um cinema é uma das particularidades deliciosas de A Forma da Água. A banda sonora de Alexandre Desplat embala-nos como se estivéssemos a caminho de um conto de fadas... e não é que estamos mesmo? Mas um daqueles obscuros, sombrios e cruéis. 


Guillermo del Toro é inspirador. Voltou a sê-lo. Por muitas influências (demasiadas, por vezes) que A Forma da Água possa ter, o cineasta é capaz de criar um filme com identidade própria e com características que denunciam claramente a sua autoria - um misto de doçura, fantasia e violência.

O elenco, por sua vez, faz o resto. Sally Hawkins encarna esta mulher muda, corajosa e altruísta que parece descobrir a sua razão de viver e luta por ela. Aparenta uma imensa fragilidade mas revela-se muito desafiadora. Michael Shannon interpreta o verdadeiro monstro, de carne e osso, violento e bárbaro, com claros problemas relacionais. Uma espécie de sociopata que ambiciona mais poder e estatuto - e ele não desiste facilmente. Richard Jenkins e Octavia Spencer são personagens simpáticas que falam pelo que Sally Hawkins não diz, e conferem momentos divertidos à acção. São ainda um interessante símbolo das minorias - e são fundamentais na narrativa. E Doug Jones, claro, o actor que veste a pele do homem anfíbio tem um papel crucial e é capaz de expressar emoções tão ou mais humanas que as de outras personagens.


A violência não gera nada de bom e o amor é a melhor forma de comunicação. Guillermo del Toro prova-o em A Forma da Água e nós acreditamos e pedimos mais magia.

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